[YH-P.002] STALKER
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O projeto “Stalker” de Luisa Alcântara narra a germinação e a explosão de sentimentos e emoções opostas.
Invertendo situações dissonantes por meio de uma relação ambígua com a linguagem pictórica, Alcântara constrói uma fenomenologia que entrelaça tecnologia e pintura de forma direta, sem deixar espaço para equívocos — ao equivocar-se.

Com um humor tragicômico, ela converte a “paixão predatória” num percurso pictórico intricado e perverso que, in crescendo, faz o espectador reviver sensações ocultas em seu subconsciente.

A coexistência de meios e tecnologias adversas, mas complementares, como audioguias e textos complexos, é fruto de relações privilegiadas e misteriosas com artistas, curadores, amigos ou amigos de amigos; mas quem são essas pessoas que se intrometem livremente na vida da obra da artista?

Começo a sentir ciúmes.

O espectador é, ao mesmo tempo, “stalker” e “stalkeado”, pois Alcântara se insinua em sua mente, sugerindo desconfortos — construindo cuidadosamente uma cacofonia cristalina que exige um olhar dinâmico e um ouvido “biônico” para captar sua essência inatingível.

Estou hipnotizado.

Coreografias para o olhar, olhar após olhar, danço sobre suas obras como uma borboleta em busca de sua flor favorita.

Minha audição e visão são ativamente estimuladas para adentrar uma dimensão paradoxal… janelas se abrem e me apresentam uma figura feminina indefesa e surpreendida, surpreendida por olhares indecentes e intrusivos. Olhares que, tomados pela obsessão, se insinuam, cegos pela escuridão de um desejo impetuoso.

Agora, um desejo doente e incontrolável cresce em mim… cresce o desconforto, sofro por ela, minha cabeça explode, e meus ouvidos apitam como se o cérebro não conseguisse processar a imagem diante de mim.

Me sinto mal — não consigo mais escrever, sofro, tenho náuseas… estou sobrecarregado. Eu a quero. Quero que ela seja minha.

Estou mal — não consigo… meus olhos não conseguem mais seguir a narrativa. Quanto mais avanço, mais tudo se torna abstrato — tudo escurece. Há pouco espaço para ela… só resta o seu braço.

Rosas sujas pela escuridão de pensamentos turvos e terríveis disputam espaço numa dimensão reflexiva sem reflexo. Estou ali, mas não me vejo — mas juro que estou — me percebo, e me envergonho… me procuro na escuridão da angústia mais profunda. Eu a quero, mas quero a rosa — seus lábios de rosa.

Quero só ela — minha rosa suja pelo olhar alheio… estou perdido. Não era pra terminar assim… me dissolvo no espaço e só devia ter escrito… agora tudo está preto — mas ela permanece — a boca de rosa.

-Cristiano Raimondi

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A Coleção apresenta STALKER, primeira individual de Luisa Alcântara, na Yehudi Hollander-Pappi. Com cinco obras inéditas — relevos esmaltados, piche, pinturas a óleo e áudio guias em diferentes línguas — Alcântara transforma a galeria em um falso museu que dramatiza a perseguição como linguagem e forma onipresente.

Parte-se do conceito stalking como uma experiência concreta de vigilância mas também como metáfora ao condicionamento da subjetividade, operado por um olhar normativo da sociedade. Aqui, ser vigiada é não ter controle da própria imagem.

Minha imagem não é mais minha — é sua.

Assim começa o percurso, a imagem de uma mesma mulher aparece duas vezes sob ameaça de dominação, seja no susto em Stalker I ou na tentativa de se esconder em Stalker II. O stalker, apesar de nunca aparecer — sem rosto, corpo ou nome —, mantém uma presença absoluta. Ele atua nas fissuras dos relevos, na manipulação da percepção, no corpo fragmentado, na invenção de uma versão distorcida da representada. Traços de uma onipresença sorrateira que canaliza a violência da vigilância em seus efeitos: no deslocamento, no desespero, na perda de si.

Em uma espécie de teatro, onde o palco é a própria sala expositiva, o artifício importa: os entalhes revelam rosas, mas escondem a massa corrida; focos de luz são simulados nas imagens e no ambiente; a pintura a óleo mostra a protagonista, mas não resolve o enigma. Já a rosa, elemento recorrente, é flor, ferida, símbolo de amor idealizado e também menção à guerra. Assim, atravessa a exposição como avatar da artista sendo ora ornamento, ora arma, resiste ao apagamento.

A Coleção representa essa instituição fabulada que não é neutra, é cúmplice da artista e agente de mediação. Os áudio-guias, por sua vez, não apenas acompanham as obras, mas ativam novas camadas de leitura, abrindo espaço para múltiplas interpretações.

Entre fragmentos, azulejos, sombras de um labirinto-trincheira, surge a risada trágica, o humor e a perversidade marcada pela experiência de se tornar outro alguém depois do trauma. O que STALKER propõe não é o desaparecimento da dor, mas a possibilidade de recriar uma imagem própria a partir do acúmulo de experiências, um processo em que a reconfiguração das partes gera um novo todo. No êxtase da rosa que volta ao palco como em Stalker III, uma nova persona se anuncia — não inocente, mas inteira.

-Marina Woisky

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