Marina Dalgalarrondo trata as peças de vestuário como hipóteses de pensamento que se materializam em experimentos escultóricos desconexos. Seus manequins são, talvez, testemunhas de um evento: membros ausentes, torsos inclinados em ângulos precários, suspensos em gestos que nunca se completam. O que emerge não são apenas roupas ou modelos, mas entidades sardônicas que oscilam entre categorias — como um teatro congelado em pleno movimento ou uma coreografia que se recusa a ter início e fim.
Em O Sistema dos Objetos, o filósofo francês Baudrillard mapeou como as coisas escorrem da funcionalidade para o signo, da utilidade para a atmosfera e do objeto para o código, escapando assim de seu destino pressuposto de uso. Uma cadeira não serve mais apenas para se sentar; um carro não existe apenas para se locomover. Eles circulam como signos em um código maior, indexando prestígio, modernidade e pertencimento. Dalgalarrondo encena esse escorregamento com ironia e instinto. Sua indumentária não cobre o corpo: expõe conceitos fraturados, enquanto cada manequim se torna um argumento em forma de alta-costura, uma especulação escultural entremeada de ecos medievais e um toque vernacular.
Essas peças enquadram eventos em suspensão perpétua: uma manga detida em pleno arco, um corpete desabando sob o peso de suas próprias citações. Aqui, a história abandona sua trajetória linear para drapear, embaralhar-se e voltar sobre si mesma em um retorno contínuo. O resultado é uma colagem temporal — uma única peça de vestuário costurada a partir de séculos díspares, que desafia a própria premissa de uma linha do tempo. A moda atua aqui mais como uma máquina do tempo — que enguiça, falha e insiste em sua própria pane extravagante.
Os manequins de Dalgalarrondo aglomeram-se como sobreviventes de uma explosão hiper-real, conspirando em conjunto. Eles formam constelações de ausência, com membros faltantes que gesticulam com mais poder do que qualquer presença. A forma não está a serviço da função, mas de uma intuição insólita que sugere que o inútil pode ser mais necessário do que o útil. O resultado assemelha-se a uma instalação feita com uma passarela que desabou, como se a vestimenta tivesse se transformado em próteses especulativas.
As obras vibram com uma sensibilidade camp, dissolvendo as fronteiras entre a solenidade das formas medievais e a energia crua e disruptiva das ruas, onde a dignidade heráldica encontra um espírito de subversão lúdica. Elas dramatizam o metafuncional: objetos que transcendem seu uso aparente para se tornarem signos de seu próprio excesso. Um manequim sem um braço não lamenta; ele exibe o estado fragmentado e recombinante da moda. Uma vestimenta sobrecarregada de camadas não visa ao conforto; ela encena o teatro absurdo do excesso de informação, em que cada dobra carrega outra referência.
Encontrar essas obras é ser apanhado pelo raio de sua explosão, onde os objetos insistem em interpelar nosso pensamento enquanto tentamos analisá-los.
-Por Vinicius Duarte