[YH-P.004] Juno B: FERAL
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[FERAL: Juno B]

Momento metálico bestial e o corpo a corpo num mundo carbonizado. A espuma que limpa a lataria escorre como o sussurro que anuncia delícias. Olhares e línguas que se cruzam fazendo feitiçaria. Suor, sabão e saliva.

Em sua primeira exposição individual, Juno B. constrói um espaço marcado por provocações sugestivas e atmosferas carregadas, indo e vindo entre a brutalidade industrial, a vulnerabilidade do corpo e as incógnitas que se instalam no meio do caminho. Máquina, carne e mistério; suspense, risco e libido se entrelaçam num movimento de reinvenção contínua.

A inscrição MET WET anuncia o espírito da exposição. O micropoema arma uma manobra entre o encontro e o molhado, o atrito e a lubrificação. A palavra escorrega entre fonética e sentido, como quem ri do instante em que o desejo se defronta com seu objeto. Para além do truque linguístico, a peça demarca um gesto performativo que anuncia a presença do erotismo e do risco como força condutora do que virá.

No mezanino da galeria, emergem as Fontes. Empilhamentos de câmaras de ar que se ajustam umas às outras como se fossem camadas de uma topologia obscura. Fontes de água e vapor que oscilam — ambíguas — entre a solenidade e a estapafúrdia. O humor ácido corrói a ambição ornamental da escultura clássica ou do kitsch, deslocando a fonte para um território industrial e grotesco. Ao mesmo tempo, a forma circular e repetitiva desses anéis sugere uma dimensão mais profunda: o tórus, superfície sem borda, contínua e oca no centro. Uma geometria que, como propõe Lacan, pode figurar o desejo do sujeito — sempre girando em torno de um vazio impossível de preencher, sempre à procura, sempre em movimento. O que resta é o impulso — nunca a saciedade, mas o fluxo.

Essa dimensão subjetiva reverbera no vídeo Those Falls (Aquelas quedas). Sob o chiaroscuro de uma oficina automotiva — misto de funilaria e lava-rápido — as cenas-fragmentos impregnam a exposição com uma atmosfera cinematográfica. Entre a rotação mecânica e a dureza das chapas de aço surge a cena súbita e decisiva: dois garotos trans se aproximam com delicadeza, trocam carícias e se entregam a um beijo delicioso. A intimidade explode no coração do espaço industrial, instaurando uma dissonância entre o maquinal e o corpóreo. Aqui, cada banho ensaboado do metal é pura sensação e metáfora para a liberação de energia e a fluidez libidinal.

O título Feral paira como chave de leitura múltipla sobre toda a mostra. Refere-se àquilo que é lúgubre e sinistro, remetendo ao estado ecológico atual, em que convivemos a todo tempo com o assombro e o perigo. No entanto, Feral não é apenas ameaça e desolação — é também vitalidade. Pode se referir, igualmente, ao animal que escapou da domesticidade e regressou à vida selvagem, representando tudo que é inapreensível, que não conseguimos nomear, que foge da linguagem. Alude ao corpo indomável, que não se submete às normas e disciplinas do gênero e de certas condutas sociais. Feral é o fio da navalha entre tensão e tesão. É a chance de rir em meio ao colapso. É a possibilidade de abraçar a materialidade do mundo industrial inventando novos modos de vida. É a entrega à voracidade insurgente dos encontros e afetos fatais.

Por Germano Dushá

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