[YH-P.003] 36ª Bienal de São Paulo
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  • Nem todo viandante anda estradas – Da humanidade como prática [2025]
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Curadoria geral Prof. Dr. Bonaventure Soh Bejeng Ndikung, cocuradores Alya Sebti, Anna Roberta Goetz e Thiago de Paula Souza, cocuradora at large Keyna Eleison.

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"Casa de Bené" por Ana Raylander Mártis dos Anjos

A instalação "Casa de Bené" de Ana Raylander expõe estruturas de poder através da materialização do gesto. Nove esculturas monumentais atravessam os três andares da 36ª Bienal de São Paulo – sob o título “Nem todo viandante anda estradas”, e curadoria-geral de Prof. Dr. Bonaventure Soh Bejeng Ndikung com sua equipe de cocuradores composta por Alya Sebti, Anna Roberta Goetz e Thiago de Paula Souza, além da cocuradora at large Keyna Eleison.

O conjunto de obras não funciona apenas como objetos de contemplação, mas evidencia um sistema que historicamente determinou quem pode ou não habitar determinados espaços. As estruturas se dispõem em pé ou colocadas no chão, negando hierarquias expositivas tradicionais e criando uma geografia própria de afirmação. A magnitude das peças contrasta com a urgência poética que as originou, sugerindo a necessidade de articular memórias que não podem aguardar.

O marrom funciona como agente transformador da imagem e operador ativo de formação cultural. Raylander não emprega essa cor como elemento decorativo ou simbólico, mas como matéria que carrega três séculos de narrativas complexas sobre identidade. As roupas que compõem as esculturas constituíram o guarda-roupa da artista por uma década, transformando o ato cotidiano de vestir-se em performance prolongada. Esta prática silenciosa antagoniza as políticas de apagamento que historicamente miraram corpos racializados, fazendo da cor marrom um acontecimento visual que permanece no tempo.

As estruturas revelam como relações familiares se entrelaçam com sistemas culturais, sociais e políticos mais amplos. A memória do avô materno da artista, cuja casa havia sido impregnada com a mesma coloração marrom, conecta afeto doméstico a questões de pertencimento. O ambiente familiar não se apresenta como refúgio das tensões sociais, mas como espaço onde identidades se constituem através de gestos aparentemente neutros. A escolha de usar roupas pessoais como matéria-prima expõe como as esferas privada e pública se constituem mutuamente, fazendo do guarda-roupa um arquivo de negociações identitárias que excedem o individual. A casa também é um campo de disputa.

A técnica de Raylander revela tensões entre dureza e maciez que caracterizam experiências de sujeitos em processos de autodefinição. Os tecidos retorcidos sobre vigas de madeira e grampos galvanizados criam superfícies que simultaneamente atraem e resistem ao toque.

Raylander opera inversão radical ao conferir monumentalidade ao que historicamente foi diminuído e marginalizado. As proporções substanciais das peças não apenas ocupam espaço físico mas reivindicam presença simbólica, convertendo o marrom em monumentos. Esta estratégia escultórica confronta a tradição que reservou monumentalidade para celebrar um poder hegemônico, criando contra-monumentos que afirmam a cor como estrutura expansiva da humanidade.

A questão central permanece a afirmação da cor como território poético. Ana Raylander nem celebra nem lamenta o marrom, mas o estabelece como fato inescapável da formação social brasileira quanto universal. As variações tonais presentes nos tecidos evidenciam que o que é nomeado como uno é múltiplo em suas manifestações, contrapondo pensamento moderno e colonial. O marrom emerge como cor da terra, do café, da pele, do fumo — não como marca de sujeição, mas como afirmação de existência que transcende tentativas de classificação e controle. Casa de Bené materializa séculos de reflexão sobre como cor, tensões sociais e memória se articulam no presente para produzir futuros possíveis através do poder da compreensão histórica da cor e sua influência cultural e social como fenômeno transformador da humanidade.

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